Desafio #LendoMaisMulheres2019: Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou

Renata Arruda
3 min readFeb 10, 2019

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Publicado no final dos anos 1960, época em que o Movimento pelos Direitos Civis lutava pelo fim da discriminação e segregação dos negros nos EUA, “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola” é a primeira das sete autobiografias escritas por Maya Angelou. Esgotado há anos no Brasil, o livro ganhou nova edição em 2018 pela Astral Cultural, e curiosamente, foi lançado alguns meses após a editora Rosa dos Tempos colocar a última autobiografia de Angelou no mercado, “Mamãe & Eu & Mamãe”.

Do ponto de vista da vida íntima da autora, a leitura casada desses volumes oferece um exercício sobre a observação da memória: em “Mamãe & Eu & Mamãe”, Angelou busca se reconciliar com sua mãe em um livro episódico, relembrando histórias que demonstram como o incentivo e o apoio da mãe foram fundamentais para que ela chegasse onde chegou.

Já em “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, Angelou fala sobre sua mãe como essa figura distante e inatingível, a quem ela admirava e, ao mesmo tempo, temia. Uma mulher alegre e egoísta, sem fortes instintos maternais. Essa mudança de perspectiva que Maya Angelou demonstra em seus livros, difícil de afirmar se por maturidade ou pegadinhas da memória, dá ao leitor a oportunidade de entender melhor a complexidade de sua vida e das pessoas que orbitavam ao seu redor.

Do ponto de vista racial, o livro é um monumento. Marcado como um dos primeiros livros de memórias escritos por uma mulher negra nos EUA, Angelou não apenas dá visibilidade à subjetividade da mulher negra, como, a partir de sua própria vivência, denuncia o racismo estrutural entranhado na história do país, mostrando qual era a situação do povo preto até pouco depois da Segunda Guerra Mundial: sem assistência, sem trabalho digno, perseguida pela Ku Klux Klan, sem perspectivas de ser nada além de serviçais de brancos, que achavam absurdo demonstrar respeito por uma pessoa negra chamando-a de “senhor” ou “senhora”.

Em um livro duro e pesado, marcado pelo abandono afetivo, pelo descaso e pela violência, há um ponto que oferece beleza em meio à aridez: a literatura. É a literatura que faz Maya Angelou voltar a falar após sofrer um trauma que a deixou muda durante anos. É a literatura que oferece a válvula de escape para os seus dias infelizes. E é a literatura que faz a menina abandonada pela mãe aos 3 anos, criada no interior do sul dos EUA, se tornar uma das maiores vozes da luta pelos direitos igualitários. Esse é um livro que todos deveriam ler.

Publicado originalmente no Instagram como parte do Desafio #LendoMaisMulheres2019.

Originally published at prosaespontanea.blogspot.com.

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