Túnel do tempo: O show de Amy Winehouse no Rio de Janeiro

Renata Arruda
5 min readJul 23, 2018

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Fotos e vídeo: Renata Arruda

O dia que imaginávamos que não iria acontecer. Depois de três longos anos sem uma apresentação a fazer jus `a artista que estourou no mundo em 2007, misturando girl groups dos anos 60, pin-ups e atitude rock and roll, entoando coisas como “Te falei que eu era um problema; você sabe que eu não presto”, a notícia de que Amy Winehouse estaria de volta aos palcos e começaria sua turnê pelo Brasil, deixou o público com desconfiança.

Por um lado, todos queriam ver a grande diva moderna, uma das cantoras mais importantes da música pop atual, cujo talento natural pouco se vê nas criaturas montadas por produtores que nos empurram goela abaixo todos os anos — Amy compõe, toca, canta, concede poucas entrevistas, não faz propagandas e não tira proveito da exploração da sua vida pessoal para lançar músicas, produtos ou o que seja, em seu nome. Por outro lado, muitos temiam pagar caro por um ingresso e o show não se realizar por algum motivo imprevisível ou acabar assistindo a um desastre, uma cantora bêbada e drogada que mal conseguiria cantar, com riscos de desabar no chão.

Alguns abutres se animaram exatamente com essa possibilidade, mas estes são um caso à parte. Talvez fossem os mesmos que usufruíam de uma área VIP mal prestando atenção ao show. Estavam ali só para constar e, se possível, ver algum sangue.

É verdade que Amy, instável e teimosa em sua personalidade e problemática desde que mergulhou fundo nas drogas, fez alguns shows que decepcionaram o público. Duas das cinco apresentações que fez no país foram desastrosas: a apresentação em São Paulo e o show extra realizado no Rio de Janeiro. Relatos contam que a cantora estava indiferente, cantou pouco, não deu atenção ao público, passou grande parte do show fora do palco. Uma pena. Apesar disso, garanti meu ingresso para a primeira data marcada no Rio, no dia 11 de Janeiro, e afirmo que valeu cada centavo. Gostaria até de ter pago mais, para um lugar na área VIP e poder vê-la de perto, mas não deu.

“Stagger Lee”

Cheguei na Arena por volta das 15h. Uma fila imensa na frente, como há muito tempo eu não via em shows em locais fechados. Ingressos esgotados. Um pouco de chuva, mas nada que atrapalhasse. Algumas meninas imitando o visual e, inclusive, uma verdadeira cosplay da Amy estavam na fila. Fiquei na companhia de amigos e conseguimos pegar bons lugares nas cadeiras, próximos ao palco e com boa visão geral. O público estava bastante animado e mesmo com toda aquela fila da entrada, a Arena ainda não estava lotada. Quando Janelle Monáe entrou no palco para o show de abertura, ainda havia vários lugares vazios e pista tranquila. Janelle fez uma apresentação performática, repleta de teatro, dança, vídeo. Não sou muito fã da moça, mas admito que ao vivo suas músicas ganharam força tremenda e fez uma performance frenética, animada, colocando todos os que resolveram prestigiar o show para dançar. Fiquei hipnotizada e, em termos de animação, sua apresentação foi melhor que a de Amy. Pena que boa parte do público que ali estava, se concentrava em beber,comer e conversar.

Uma hora depois de Janelle, a Arena começou a lotar absurdamente. Eu saí um minuto para ir ao banhero e quando voltei, Amy já estava sendo apresentada no palco, como é de praxe em seus shows. Corri e não resisti: não iria me sentar no meu lugar, mas ir para a gradinha onde estava a primeira fileira de cadeiras. E ali permaneci durante toda a apresentação.

Após tanto terrorismo, o que vi foi uma Amy que, de fato, não demonstra nenhuma emoção frente à quantidade de gente reunida em seu show, que a aplaude e canta suas músicas em coro. Uma Amy que entrou um pouco indiferente para cantar “Just Friends”, mas que aos poucos foi se soltando e que parecia genuinamente feliz em estar ali. A impressão que fiquei é que aquele era o show que Amy realmente estava animada para fazer e que talvez a apresentação extra da noite anterior não passava de protocolo para ela. Parecia que tocava no Rio (cidade que escolheu para ficar durante toda a turnê, indo aos shows de jatinho particular) não pela segunda, mas pela primeira vez.

A voz, embora não seja mais a mesma que ouvíamos em 2007, soou potente e Amy cantou todas as músicas sem embromação. Ainda que o seu retorno aos palcos tenha sido desastroso, com um show na Sérvia em que cambaleava e esquecia as letras — o que levou ao cancelamento da turnê europeia — , aqui sua voz sumia apenas quando a cantora se afastava mais do que devia do microfone, mas Amy cantou tudo. Fiquei com a impressão de que as já antigas músicas do álbum Back to Black eram um pouco entediantes para ela, que as cantou sempre com o olhar distante e nenhuma emoção.

Animada mesmo ela ficou com as músicas novas no set (incluindo três covers) e no final, com a excitante “Me and Mr. Jones”. Mas Amy não se furtou de conversar com a plateia, sorrir, distribuir tchauzinhos, dançar e brincar com os membros da banda. E só desapareceu do palco durante a pausa, previamente combinada, em que seu backing vocal Zalon (que recentemente assinou contrato com a Lioness Records, selo da cantora, para a gravação de álbum solo), pudesse apresentar duas músicas suas. Espontânea, não fez cerimônia para se curvar e conseguir olhar diretamente para uma menina sentada na plateia, que gritava e se agitava freneticamente tentando chamar a atenção de Amy. Sua reação foi responder com uma cara de quem estava achando que a outra mulher era louca. Uma pequena ironia para aqueles que esperavam presenciar um freak show.

Setlist curto

Originally published at prosaespontanea.blogspot.com.

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